O que fica depois do café?

 


    Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, sempre a mesma coisa. O mesmo trabalho monótono após uma manhã cansativa na faculdade, perdemos as contas da quantidade folhas que usamos naquela manhã - eu adorava contar a quantidade usada por dia e matéria e ele achava estranho, mas poucas semanas depois o peguei descrevendo seu dia cansativo com a minha medida de 'folhas usadas' -, mas aquele dia foi lotado de folhas e post its. Era incontável.
    19h e 30min era o nosso horário naquela sexta comum. Depois do banho quente, das lamentações do dia e depois de jogar aquele sapato apertado no fundo do armário, ele queria saber: 'E depois do café?', este que a gente nunca assumiu que amava, ou vai ver não amava mesmo, só achava uma delícia se sentar lá no fundo da cafeteria com as nossas xícaras brancas e nosso bolo de chocolate meio amargo. Só pra jogar conversa fora. E eu que não entendia: 'Depois do café?', mas ele só deu de ombros pra me apressar mais uma vez: 'Não precisa de rímel... é só o nosso café de sempre, vamos logo.'
    19h e 30min já estávamos à espera dos nossos pedidos. A cafeteria estava mais vazia que o normal, o que propiciou a nossa mania feia de bisbilhotar a vida alheia, vez ou outra a gente tentava adivinhar a situação de cada um ali dentro. Éramos ótimos nisso, bisbilhotar, claro, entretanto já criamos excelentes histórias para as pessoas à nossa volta, mas nesse dia só houve o rapaz de óculos redondo com um livro grosso, que, segundo a gente, foi abandonado - ele dava mais atenção às horas e à porta, que ao livro que lia... e cá entre nós: quem dá mais atenção à essas coisas que à Ana Karenina de Tolstoi? Só pode ser amor.
    O nosso pedido ficou pronto. Dois golinhos de café foram tomados e o bolo nem foi tocado - por ele, porque eu estava preste a provar aquela calda de chocolate meio amargo -, ele desviava o olhar, enchia os pulmões de ar prestes a dizer  algo, mas desistia. Tive de apressá-lo, mas antes que eu terminasse ele disse algo como 'Eu não posso fazer isso', seguido de um 'Eu amo você...', certamente houve mais, mas após o 'eu não posso fazer... blá blá blá' eu parei de ouvir, só recobrei a audição no final das explicações.
    Ele pegou seu casaco e se foi. Eu só queria entender por que perguntar 'e depois do café?' se não tinha a intenção de esvaziar a xícara. E agora, o que fica depois do café? Certamente duas xícaras sujas, dois pires com respingos marrom, duas colheres pequenas, dois bolos de chocolate e um coração partido.


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